O
conde Alessandro Cagliostro foi um dos maiores místicos do século 18.
Ele foi também incompreendido e perseguido até a morte -; ou, pelo
menos, até o momento em que desapareceu misteriosamente da sua cela, em
uma inacessível prisão do Vaticano.
Todo aquele que contraria a ignorância organizada é alvo de ataques.
Segundo a lenda dos evangelhos cristãos, Jesus Cristo foi condenado à
cruz como castigo por ser um charlatão. Cagliostro ainda hoje é chamado
de charlatão, assim como ocorre com Saint-Germain, Helena Blavatsky e
outros sábios e filósofos de diferentes épocas.
Apesar
das calúnias, o trabalho de Cagliostro na segunda metade dos anos 1700
tem uma relação interna com o impulso que um século depois criaria o
movimento teosófico moderno, em 1875.
Famoso
por seu dom de curar, Cagliostro trabalhou em níveis superiores de
consciência. Seu esforço se somou às ações de outros pensadores do
século 18, entre eles os filósofos iluministas de vários países da
Europa. Ele ajudou a provocar grandes transformações sociais. Ele também
fez uma tentativa de resgatar o movimento maçônico da sua decadência.
Cagliostro criou em Lyon, na França, em 1786, uma maçonaria aberta à
participação de mulheres e para a qual criou um Rito Egípcio. Mais
tarde, Annie Besant e seus seguidores iriam usar o nome “rito egípcio”
para fazer um ritual sem valor e sem relação com o rito egípcio
autêntico.
H.
P. Blavatsky informa que Cagliostro agia inspirado pela filosofia
esotérica dos mestres do Oriente. Ele passou algum tempo na Rússia e na
Inglaterra. Depois viveu na França. Perseguido, passou seis meses preso
na Bastilha antes de ficar comprovada sua inocência no famoso caso do
Colar da Rainha. Seu trabalho pela regeneração do ser humano coincide
com o mesmo impulso interior humanista que fez surgir a declaração dos
direitos do homem e originou as revoluções norte-americana e francesa.
Os excessos da revolução francesa, que degenerou em uma espécie de
terrorismo de Estado, apenas mostram a necessidade da ação pacífica. O
ideal básico da democracia e da liberdade do indivíduo é mais atual do
que nunca, no século 21. O lema “Liberdade, Igualdade [de Direitos] e Fraternidade” é hoje a meta da Organização das Nações Unidas e de cada cidadão de boa vontade.
Passo
a passo, a civilização se aproxima do momento em que será alcançado o
ideal da paz perpétua entre todos os povos, levantado na segunda metade
do século 18 por Jean-Jaques Rousseau, por Immanuel Kant, pelo Barão de
Holbach e outros humanistas, ao mesmo tempo que o místico Cagliostro e
o conde de Saint-Germain também trabalhavam, num plano mais esotérico,
pela elevação da alma humana.
Nascido
no início da década de 1740, Cagliostro havia trabalhado longamente
pelo ideal humanista quando foi preso pela Inquisição do Vaticano na
Itália, em dezembro de 1789.
Naquele
momento a revolução francesa estava começando. Feito prisioneiro, ele
foi levado de uma prisão para outra. Cagliostro foi torturado, longa mas
inutilmente, pelos carrascos católicos. O objetivo dos verdugos do
Vaticano era forçá-lo a confessar crimes que não havia cometido.
Em
7 de abril de 1791, Cagliostro foi condenado à morte. Seus livros e
alguns dos seus objetos maçônicos foram queimados diante de uma
multidão, na Piazza della Minerva, em Roma.
H.P.
Blavatsky conta que pouco depois aconteceu algo curioso. Um estranho
personagem, nunca antes visto no Vaticano, surgiu em Roma e solicitou
uma audiência em particular com o Papa. Ao invés de dar seu nome, o
desconhecido mandou ao Pontífice, pelo Cardeal Secretário, apenas uma palavra.
A
reação do papa foi receber imediatamente o desconhecido. Depois de
alguns minutos de audiência privada, o personagem retirou-se. Em
seguida, o papa deu ordens para um procedimento que deveria ser feito no
mais absoluto segredo. A pena de morte a que Cagliostro havia sido
condenado deveria ser comutada para pena de prisão perpétua. O conde de
Cagliostro deveria ser encerrado no castelo de San Leo, que ficava no
alto de uma rocha, e ao qual só se podia ter acesso por meio de uma
cesta elevada e abaixada com uso de roldanas. Era um elevador
primitivo.
Foi dali, há mais de 200 anos, que Cagliostro desapareceu em 26 de agosto de 1795.
Segundo
a versão oficial, ele morreu. De acordo com outras versões, mencionadas
por Helena Blavatsky, ele teria saído vivo daquela cela inacessível
graças a algum método especial.
Há de fato um mistério sobre o modo como terminou a vida deste personagem. Segundo W. R. H. Trowbridge [2]
, que cita H. P. Blavatsky como fonte, ele parece ter saído da prisão
de San Leo por um método do qual seus carcereiros não foram informados.
Esta afirmação de HPB está documentada. HPB narra esta possibilidade em
seu artigo “Was Cagliostro a Charlatan?”, atualmente publicado em
“Collected Writings”, volume XII, p. 88.
Além
disso, Trowbridge menciona um relato segundo o qual, alguns anos depois
da desaparição de Cagliostro, teria acontecido algo de grande interesse
para os teosofistas. Trowbridge cita HPB como fonte da sua afirmativa,
mas não diz em que texto ela escreveu ou quando ela disse o que ele
narra. Segundo Trowbridge, HPB afirmou que Cagliostro foi visto por
várias pessoas na Rússia, depois de sua suposta morte em 1795, e que
passou algum tempo na casa do pai de Helena Blavatsky.
A afirmativa de Trowbridge deve ser investigada, porque não está demonstrado que H. P. B. fez tal afirmação.
É
certo, porém, que Cagliostro viveu alguns meses na Rússia entre 1779 e
1780. H. P. B. nasceu no império russo poucas décadas depois da morte
de Cagliostro. Um estudo comparado entre as personalidades e
circunstâncias de vida de ambos mostra grande número de elementos
similares. H. P. B. escreveu bastante sobre Cagliostro. Ela também
usava a jóia maçônica que pertencera a ele, e que hoje faz parte dos
arquivos da Sociedade Teosófica de Adyar, na Índia.
Em
carta a Alfred Sinnett, Helena Blavatsky conta que um colaborador dela,
Darbargiri Nath, visitou durante uma hora a cela de prisão em que
esteve Cagliostro. Darbagiri pode ter desenvolvido ali alguma atividade
meditativa especial. Na mesma citação, HPB menciona o Sr. Hodgson, um
dos que a acusaram de charlatã nos anos 1880:
“Serei
eu maior, ou de alguma maneira melhor, do que foram St. Germain, e
Cagliostro, Giordano Bruno e Paracelso, e tantos outros mártires cujos
nomes aparecem nas Enciclopédias do século 19 com os meritórios títulos
de charlatães e impostores? Será carma dos juízes cegos e maldosos - não meu carma. Em Roma, Darbargiri Nath foi à prisão de Cagliostro no forte Sant Angelo,
e permaneceu naquele buraco horrível durante mais de uma hora. O que
ele fez lá daria ao Sr. Hodgson elementos para outro Informe ‘cientifico’ se ele pudesse investigar o fato.”
É interessante registrar um detalhe numerológico que mostra a relação oculta entre Cagliostro e Helena Blavatsky.
Cagliostro
foi condenado à morte dia 7 de abril de 1791. Helena Blavatsky morreu
no dia 8 de maio de 1891, exatamente um século, um mês e um dia depois
da condenação de Cagliostro.
É
consenso em meios esotéricos que no século 18 Cagliostro trabalhou em
cooperação com o conde St. Germain. Henry Olcott, co-fundador do
movimento teosófico moderno, escreveu algo significativo sobre uma das
pessoas mais próximas de HPB, a sua tia Nadya Fadeef.
Referindo-se a St. Germain, Olcott disse:
“Se
a Sra. Fadeef - tia de HPB - pudesse ser induzida a traduzir e publicar
certos documentos da sua famosa biblioteca, o mundo teria um enfoque
mais bem informado do que existe até hoje sobre a missão europeia
pré-revolucionária deste Adepto Oriental.”
De
fato, HPB termina o artigo intitulado “Count de Saint-Germain”,
publicado na sua revista “The Theosophist”, com as seguintes palavras:
“Uma
pessoa respeitada, integrante da nossa Sociedade [Teosófica] e
residente na Rússia, possui alguns documentos sobre o Conde de
Saint-Germain que são altamente importantes para resgatar a memória
deste que é um dos maiores personagens da época moderna. Esperamos que
os elos perdidos da sua história incompleta possam ser publicados em
breve nestas colunas.”
Boris
de Zirkoff, editor das obras de HPB, acrescenta que tal teosofista
morando na Rússia era certamente Nadya, a tia de HPB, e que os
documentos mencionados nunca foram colocados à disposição do público.
Henry
Olcott também afirma em suas Memórias que H. P. B. e ele pensaram, em
1878, em fazer com que o movimento teosófico retomasse o trabalho de
Cagliostro.
Na primeira metade da sua missão, HPB fez fenômenos psíquicos de certo modo semelhantes aos realizados por Cagliostro.
O
estudioso Marc Haven escreveu uma longa e excelente biografia de
Cagliostro, “Le Maître Unconnu”. É um dos poucos estudos de grande
porte sobre Cagliostro que lhe fazem justiça, e até hoje está publicado
apenas em francês. Neste livro vemos o que Cagliostro disse a seus
juízes, quando lhe perguntaram quem, afinal, era ele:
“Não
venho de nenhum lugar, e não pertenço a tempo algum. Fora do tempo, meu
ser espiritual vive sua existência eterna. E se me retiro em minha
consciência e retrocedo ao longo do curso das idades, e se levo meu
espírito até uma forma de existência que está muito longe da pessoa que
vocês vêem diante de si, então me torno um com meu ser espiritual.
Enquanto estou conscientemente participando do Ser Absoluto, estou ao
mesmo tempo ajustando minha atividade às minhas circunstâncias. Meu nome
é o nome da minha função, e eu a escolhi, porque sou livre; meu país é
aquele em que eu estiver trabalhando em qualquer momento dado.”
Cagliostro prossegue:
“Não
nasci da carne nem da vontade de seres humanos. Nasci do espírito. Meu
nome é coisa minha, e é este com o qual escolhi aparecer diante de
vocês, este é o nome que quero. O nome da minha juventude (.....), este
eu o deixei como uma roupa velha que não tem mais utilidade para mim.”.
E ainda:
“Todos
os povos são meus irmãos; todos os países são amados por mim. Estou
viajando para que por toda parte o Espírito possa descer e encontrar um
lugar entre vocês. Peço aos reis, cujo poder eu respeito, apenas
hospitalidade em seus países, e quando a recebo, trabalho para
estimular, no que é possível, as boas ações.”
Assim
como Helena Blavatsky, Alessandro Cagliostro teve coragem e grandeza
diante dos seus perseguidores. Quando o interrogaram sobre suas
atividades, ele respondeu:
“Em
cada lugar a que vou, largo uma parte de mim mesmo (....) deixando a
vocês uma pequena claridade, um pequeno calor, uma pequena força; até
que, por fim, eu esteja definitivamente no final da minha carreira, no
momento em que a rosa florescer na cruz.”
De fato, H.P. Blavatsky escreveu que Cagliostro foi o último dos verdadeiros rosa-cruzes. As palavras dele no trecho citado acima parecem sugerir duas coisas:
1) Que a missão de Cagliostro incluía várias vidas; e
2) Que sua missão terminaria com a vitória definitiva da sabedoria e da ética universais, na comunidade humana.
Fonte: